sábado, 9 de agosto de 2008

Desde esse dia....

Era ainda bem cedo quando ela começara a sentir pontadas no abdome. Curvou-se na cama, suspirando de maneira sôfrega, mas conformada. Já havia passado por isso duas vezes antes, e estava certa de que aquele revertério que sentia nada tinha a ver com a grande quantidade de limão consumido nos últimos nove meses.

Ninguém de fato consegue prever com precisão um momento desses, e como se sabe, sempre existe um bom tumulto ao carregar tudo o que é necessário para o hospital. Além de encher a mala com tudo o que fosse necessário, coube também a ela avisar ao marido, e aos dois filhos mais novos.

As crianças foram deixadas com a cunhada, enquanto o casal se apressava em chegar ao hospital. A partir de lá, e com o efeito de algum tipo de medicina, a vontade de praguejar de dor foi diminuindo, até que de repente, ela conseguia apenas ver as luzes no teto, e algumas vozes distantes. Há um ano e um mês atrás ela havia experimentado essa mesma sensação. Nada de realmente novo estava para acontecer.

Por volta das nove da manhã, não tinha nada que remediasse nem o signo de leão, nem o ascendente em virgem nascido naquele dia.

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A cortina verde sempre foi um sonho recorrente. Do berço, ou cama, em uma idade onde não tinha discernimento o suficiente entre os dois, contemplava aquele tecido que
balançava suavemente ao sabor do pouco vento que entrava pela janela da sala.

Era verde, em várias tonalidades, e, acredito eu, havia um pouco de marrom, e todo aquele jogo da coloração, simulava uma floresta. Havia um pequeno furo no campo que minha visão alcançava, e dependendo do ângulo pelo qual o via , aparecia um pouco de luz externa.

O primeiro registro consciente: A cortina. Verde. Hoje sabe-se muito pouco sobre ela.

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Ela fazia pães e bolos maravilhosos. E festinhas também. Suspeito que até hoje a mão para cozinha e artesanato continue tão boa quanto antes, mas na época, como forma de ajudar a vizinhança e distrair-se da insanidade de ser mãe de 3 crianças de idades tão aproximadas, havia sempre uma atividade nova a se dedicar: De rosquinhas amanteigadas a paçoca, de crochet a contabilidade da casa.

Claro que nem sempre tudo dava certo. Principalmente quando as crianças decidiam pular na cama onde a massa de pão repousava e crescia. Tranqüila? Não por muito tempo.

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Ele foi o primeiro desse casamento, e provavelmente a criança mais esperada para o casal:
Para ela, a aterradora experiência da primeira gravidez, tão precoce quanto inesperada, para ele, o primeiro filho menino. Teve, desde que me tomo por gente, um ar bem altivo, e certamente foi a criança mais prodígio das três.
Praticante de esportes, bem socializada, muito independente, irônica, sim... de uma ironia que sempre me inflamava até os ossos, e saldo de nossas brigas nunca era muito bom: machucados nas costas, nos braços, e brinquedos quebrados.

Ele mudou tanto, eu mudei tanto. Ainda sim, resta uma fagulha naqueles olhos de quem vai pular da cama às 6 pra ir jogar vôlei.

Ah, e a ironia, sempre.

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Há sempre muito a ser dito sobre o comportamento das pessoas mais espertas, mas muito pouco sobre suas realizações. O segundo era assim, incrível.
Desde pequeno, seu gênio forte impressionava, e por vezes era motivo de aborrecimento para os pais:
”Esquerda? Direita? Decida!
Frente!”- dizia ele.
Ainda hoje:
“Esquerda? Direita? Decida!
Frente!” – diz ele.

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Você levava a gente pra andar de bicicleta na Praça, ou fazia a gente andar bem mais, coisa que eu, gordo, odiava.
Você tirava fotos da gente em situações embaraçosas.
Você chegava sempre muito tarde quando eu era pequeno.
A gente nunca conversou tanto.
Você sempre comemorou teu dia junto com o meu, apesar de ser geminiano.
Também sabe me chantagear emocionalmente, coisa que eu odeio.
Te amo, ainda sim.

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Lembro também dos CDS da Celine, que não vieram comigo. Lembro das gírias que inventava. Lembro do caderno que eu construí com folhas soltas e barbante. Lembro de ser passado pra trás algumas vezes.Lembro das novelas na casa da minha tia, na época em que comíamos queijo derretido no microondas e tomávamos licor (não espalha) de vários sabores. Lembro dos videokês na Yakult.Lembro da minha surpresa aos 11 anos com festa surpresa. Lembro do fracasso da festa de 14. Lembro das compras de Natal. Lembro de ir pra Cidade Jardim de Bicicleta. Lembro de coreografar Ivete Sangalo (não espalha). Lembro de ser confuso. Lembro de querer me esconder. Lembro do teatro da escola e da Aline no piano, tocando “My heart will go on”. Lembro do apartamento da Gi, e de me perguntar tantas e tantas vezes se eu morreria se pulasse da sacada em direção à piscina. Lembro da conjuntivite de Julho passado. Lembro da Microcamp, da Silvia, do Vini e da Pam.

Lembro de ter, poucas vezes, me perguntado se tudo isso ia acabar.

Lembro de tudo isso, desde Nove de Agosto de 1987, mas não me lembro dos Smurfs.

A partir de agora, esse é meu revéillon.



E o que tá pra frente continua vazio. Acho melhor olhar pra isso agora.

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